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23 de mai. de 2013

Wittenberg University e Eu


Se vocês me conhecem ou leram a página da nossa equipe, sabem que estou matriculada e prestes a começar aulas na Universidade de Nova Iorque (mais comum e belamente referida como NYU) (fica aqui a explicação da sigla, porque nunca mais vou chamar de “Universidade de Nova Iorque”). Se não, ficam sabendo agora. Yay!

O processo de seleção pra faculdades americanas é bem diferente das brasileiras. Não existe vestibular, obviamente. Os alunos são julgados individualmente por cada universidade em cinco grandes categorias: histórico escolar ao longo do Ensino Médio, testes gerais (como se fosse o nosso ENEM), extra-curriculares, cartas de recomendação de professores, e por fim redações entregues na inscrição. Pode parecer infinitamente mais complicado que um simples vestibular, mas não é bem assim. O processo é bem longo e cada passo tem seu tempo, então com um bom planejamento adiantado dá pra passar por tudo sem arrancar muitos fios de cabelo.

Uma das maiores diferenças, pra mim, foi o envolvimento com a internet. Os alunos se inscrevem em diversos sites, alguns oficiais (pra se inscrever nos testes à la ENEM, por exemplo), outros nem tanto (fóruns pra medir chances de entrar na faculdade Blablá, por exemplo). O mais fascinante é que os sites oficiais têm permissão de distribuir as informações dos alunos (e-mail, notas nos testes, interesses em geral) para faculdades, que em torno passam a contatar alunos que desejam. Na verdade, nem é necessariamente um desejo de ter o aluno na faculdade, e sim que ele se inscreva, já que a maioria cobra uma taxa (por volta de 60 dólares) por inscrição. Parece estranho, intromissivo, ganancioso? É por aí mesmo, mas acima de tudo é hilário.

Essa onda de e-mails é bem, bem comum. Lá por agosto e setembro eu recebia uns quatro por dia, a grande maioria de faculdades pequenas e sem grande prestígio desesperadas por uma aluna brasileira pra poderem demonstrar tão grande diversidade étnica/geográfica. Olha, não estou desmerecendo essas faculdades, mas o negócio é que elas... não se levavam bem a sério. Vocês já vão entender o que eu quero dizer com isso.

No começo era bem emocionante, sabe? “Uau, tem alguém em algum lugar super interessado pelo meu perfil! Eu sou desejada! Eu sou vista como genial, como fascinante, como especial!” E de vez em quando aquele nome famoso me mandava um e-mail (sempre completamente genérico, claro)—Harvard adoraria ler sua application, Columbia manda seus regards, UChicago incentiva seu esforço, etc. Mas aí algumas faculdades insistiam repetitivamente, e começava a ficar cansativo. E bizarro. Bem bizarro.

Aqui entra a Wittenberg.


Eu procurei incessantemente pelo meu computador e até histórico do Twitter, mas só consegui achar alguns registros de e-mails que a Wittenberg me mandou. Olha, eu não tenho nada contra a Wittenberg, até porque eu nunca tinha ouvido falar dela e depois que fui procurar até me parecia legalzinha. Mas ela não entrava em nada nos meus padrões de escolha, sabe? Era bem blé pra mim. Não era um lugar que me daria vontade de ir caso eu entrasse, então não quis me inscrever pra não perder tempo e dinheiro por nada.

Mas a Wittenberg me queria. E muito.

Analisemos a evidência, de maneira mais ou menos cronológica.


"Boas notícias, Betina!"
Ok, essa não é nem de longe ruim. O uso do meu primeiro nome desse jeito estamos-tentando-ser-informais é um pouquinho estranho, principalmente quando nos lembramos que meu nome foi inserido por um programa que envia esses e-mails automaticamente, mas ok, dá pra deixar passar.



"Você é uma das poucas, Betina"
O contexto era que eles me dariam privilégios de inscrição, como retirar a taxa de mais ou menos 60 dólares e tornar a inscrição mais curta e fácil. Mas tiremos do contexto. "Você é uma das poucas". Agora me digam que isso não parece tagline de filme distópico/apocalíptico/de terror. A falta de pontuação final também é ligeiramente desconcertante. Sem ela, não temos a entonação. "Você é uma das poucas!" e "Você é uma das poucas..." têm conotações bem diferentes. Minha condição como uma das poucas fica, assim, em aberto. Apavorante.



"Eu quero que você se inscreva, Betina"

Esse print tem e-mails de outras pra mostrar que não é só a Wittenberg que é bizarra. Tem a Universidade de Denver, que me diz simplesmente "Impressionante, Betina"; a Universidade do Sul da Flórida com "Betina, seu convite está anexado ..." com essas reticências enigmáticas; e a Tulane, com o 500% horrorizante "Nós queremos descobrir mais sobre você ..." que em qualquer outra instância poderia ser fala de filme sobre um grupo de assassinos em série.

Mas o brilho recai na Wittenberg, pela persistência—as outras nunca mais me mandaram e-mail. A Wittenberg continuou fiel. "Eu quero que você se inscreva, Betina" novamente sem a pontuação. O uso do modo imperativo, implicando ordem. Tem várias coisas estranhas aí. Mas definitivamente o que ganha é o uso do "Eu". Wittenberg, não como a entidade, mas o Fulano de Tal que é o chefe das admissões ou sei lá, como se ele estivesse me mandando o e-mail realmente pessoalmente já que sou tão importante. Um senso de intimidade totalmente forçado, totalmente creepy.  Aqui é que a Wittenberg começou a mostrar seu outro lado pra mim.



"Eu quero ouvir de você antes que seja tarde demais!"

Se vocês não conseguem ver o subtom ameaçador nesse título, podem sair do post. Fechem a aba. Vão dar uma volta, queimar umas calorias, ingerir algumas, o que der na telha.

Antes que seja tarde demais. Por que seria tarde demais, Wittenberg? O que aconteceria comigo? O que vocês estão planejando? Céus, não sei nem se quero saber as respostas. Algumas vezes a ignorância traz mais paz de espírito.

(Comentário: sim, claramente estão falando do prazo de entrega, mas como vocês já vão ver, a Wittenberg não tem lá tanto respeito pelo seu prazo de entrega. Continuemos.)





"Inscreva-se até a meia-noite, Betina"

Talvez a única coisa realmente fora do ordinário sobre esse (além do uso do imperativo e do meu primeiro nome, como já foi mencionado) é a menção de meia-noite. Coisa de filme de terror, Wittenberg. Estabeleça um prazo mais family-friendly, sabe? Que tal três da tarde? Oito da noite, sei lá. Confio na capacidade de vocês. Sei que podem pensar em algo um pouco melhor.



"Nós estamos tão interessados em você ..." "... que decidimos lhe dar mais uma chance para se inscrever [...]"

Tem vários aspectos disso que eu adoro. O tom bajulador tão óbvio que me faz indagar se alguém cai por isso. O fato de terem estendido o prazo pra "me dar mais uma chance". Gente, eu nunca demonstrei o mínimo interesse por essa universidade em qualquer site, qualquer formulário, qualquer e-mail. Eu sempre ignorei todos os recados deles. E ainda assim eles falam comigo como se eu estivesse tão desesperada por mais uma chance com eles. Poesia pura.


"Betina, você nos impressionou!"

De novo, o tom bajulador e o senso de intimidade. Moço, você "faz questão de mandar um convite"? Isso não me faz sentir especial quando eu sei que esse convite é automatizado por programas de computador. Dizer "eu" não quer dizer que seja realmente você—céus, até onde eu saiba pode muito bem ter sido um estagiário que escreveu essa melação toda. Não quero ser grossa, mas sabe, você realmente quer alguém tão tapado na sua universidade? Alguém que cai por simples manipulações de ego? Fala sério.



"Esqueceu-se do prazo, Betina?"

 Acho que a essa altura eles estavam severamente desesperados—eu já tinha passado uns cinco "prazos" deles. Eles simplesmente iam criando novos prazos pra mim, sabe. Passou do dia 01/01? Tudo bem, pode entregar no dia 15/01, não tem problema. Ah, passou desse também? Bom, o prazo não é obrigatório até 15/02, ainda tem tempo! Hã... passou? Bom, podemos fazer pro dia 01/04, eu acho. Gostamos muito de você, abriremos essa exceção. Já é abril? Nossa. O tempo voa, hein. Olhe, o prazo de verdade só realmente precisa ser dia 01/05, então pode entregar nessa data, mas não esqueça, viu? Uau. Passou também? Hm... Nós sabemos que você está ocupada... Entendemos... Tem até a meia-noite de hoje. Por favor não se esqueça. Por favorzinho.

A maior graça desse e-mail aí é que, como aluna internacional em escola brasileira, eu obviamente não estava "ocupada terminando meu último ano", como eles afirmam que "sabem". Eu tinha me formado em dezembro. Pra uma universidade que havia se esforçado tanto pra criar uma vibe próxima, de quem está me tratando tão especial e pessoalmente, etc, não conseguiram nem checar isso. Muito preguiçoso, Wittenberg. Esperava mais de você.



Depois do dia 02/05, não recebi mais e-mails. Talvez não tenham tido coragem de se rebaixar mais ainda. Talvez tenham notado que chegaram num ponto no qual eu nunca respeitaria a autoridade deles como instituição, depois de tanto terem rastejado aos meus pés, então se eu entrasse teria potencial pra ser uma aluna absolutamente insuportável. Talvez tenham virado as costas amargamente, resmungando "nem queríamos ela pra valer". Por bem ou por mal, nossos caminhos se separaram para sempre.

Não me levem a mal, pessoal, eu vou me lembrar da Wittenberg com carinho. Ela me fez companhia numa época estressante da minha vida, causando risadas (por mais horrorizadas que fossem). Ela virou uma piada interna com minhas amigas (e agora com vocês, suponho), mas uma piada afetuosa. Não desejo nada de mal à Wittenberg. Não me acho superior demais pra ser aluna deles. Não fomos feitas uma para a outra, mas isso não significa que não foi maravilhoso enquanto durou. Estou partindo para outra, mas no meu coração ela sempre ficará. Wittencreeper. Wittenbro.

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